terça-feira, novembro 16, 2010

olhar ao espelho...


Não gosto de Pediatria. E não sou daquelas pessoas que adora crianças. Sou mais da opinião de que nascem quase todos iguais, aquele "ar de rato" (perdoem-me se firo susceptibilidades). Mas acho que, de certo modo, são criaturas (ups...) fascinantes, porque misteriosas, imprevisíveis, autênticas (até certa idade, ainda dentro da considerada pediátrica).
Não consigo dizer que "as crianças são o melhor do mundo" ou "são maravilhosas", mas gosto que venham a ser pessoas maravilhosas, gosto que nos ensinem todos os dias (podem dar autênticas lições de vida), que nos construam, nos eduquem e nos inquietem (em todos esses sentidos) e que façam parte das nossas vidas, assim como nós adultos, seres heterogéneos, nos enriquecemos pela diferença. As crianças preenchem, completam (às vezes encantam, tudo bem) a nossa vida.


Estou numa enfermaria que tem, acima de tudo, crianças com patologias crónicas graves, com compromisso neurológico. Nem sei como descrever a situação de cada uma delas, sem que os leitores mais sensíveis fiquem "agoniados". São histórias de vida miseráveis e incompreensíveis. Põem qualquer ateu em sentido (de convicção) e alguns cristãos/crentes em "crise"/dúvida.
Eu raramente me interrogo, talvez porque é mais fácil, mais cómodo, mais simples. Mecanismo de fuga?! Mediocridade? A mim impressionam-me tanto como adultos em estado vegetativo (que é o estado em elas estão), mas inquietam-me talvez mais, porque as circunstâncias em que nascem ou em que acabam condicionam em maior escala (parece-me) as vida de tanta gente que tem (ou tinha) tantos sonhos pela frente, expectativas, projectos e, acima de tudo, outras pessoas a quem, igualmente, deveriam dedicar-se.


Quando acordo não me apetece ir tratar destas crianças, porque não gosto deste trabalho e "é uma seca". Talvez não tenhamos todos que ter vocação. Talvez tenhamos que, acima de tudo, ter respeito, consideração, ser conscientes e sóbrios. Mas achei que, no mínimo, devia olhar para elas com medo, com piedade de mim, porque sou, decerto, mais "pequena" ou miserável que qualquer uma delas ou qualquer mãe/pai que ali passam os dias (os meses, os anos...).
Porque me venho sempre embora de sorriso nos lábios, porque esqueço antes de sair da porta aquele cenário, porque talvez nunca seja capaz de compreender, Porque não sou, de todo, solidária ou generosa, o meu voluntariado é "barato" e fácil. Porque tantas vezes me esqueço de agradecer, de olhar com o coração, de fazer mais pelos outros.


Bem sei que não é suposto perguntarmo-nos "porquê". Mas aqui os "para quê's" não têm, igualmente, resposta. E eu (e nós?) tenho a memória muito curta e a alma muito pobre.

1 comentário:

Unknown disse...

Joana,

sensacional este texto. Humano, sincero e inquietante!
São estas experiências que nos tornam serem mais completos e conscientes do nosso "eu".

beijo, Marco!