(...) A vida tem sido muito boa para mim. E, nas minhas questões existenciais e de fé, pergunto-me (sem resposta) porque é que a vida é tão assimétrica e desigual. E eu já levo 40 anos de gratidão, estes já ninguém me tira e só desejo para vocês uma vida boa como a minha.
Sou muito agradecida por ter nascido em Portugal, um país
sem guerra, em democracia, onde há saúde e educação, onde há água e sol.
Sou muito agradecida por ser filha dos avós, que me educaram com amor, com valores, com limites, com regras, com
exemplo de serviço ao outro, à comunidade, com liberdade e responsabilidade,
com primazia nas relações, que acolheram os meus amigos, que me e nos acolhem
sempre, que abdicaram tantas vezes de si para nós, que me proporcionaram
estudar fora e crescer, viajar e arriscar, mesmo sentindo o medo da perda. A
avó é um ser humano e uma mulher incrível, provavelmente a quem devo uma
grande parte do que sou, pela conduta e exemplo que me transmitiu sempre.
Sou especialmente agradecida pela tia, pela
relação que temos e criámos, pela irmandade inabalável, a amizade, o colo, o
que aprendemos e crescemos uma com a outra, pelo confronto quando é necessário,
pela entrega totalmente altruísta para comigo e com vocês, que eu espero ser
capaz de retribuir sempre.
Sou muito agradecida pela bisavó Beatriz, que espero que as
meninas ainda guardem memórias dela, pelo exemplo de vida, a generosidade, a
resiliência, as marcas que nem sei quantificar que deixou em mim e os ensinamentos
para a vida.
Sou tão agradecida pelas minhas tias e meus primos, que formam um clã que é porto seguro e suporte,
e pela família mais alargada, sempre disponível nos momentos importantes e que cuida
pelo valor dos laços.
Sou agradecida pelos amigos que fiz e mantenho, pela rede
que é quase uma teia a que me sinto ligada. É tão bom ter bons laços de amizade,
a “família que escolhemos”.
Sou agradecida pelo vosso pai, pelos anos que fomos
felizes juntos, pela família a que pertence e me acolheu sempre bem e pelos
frutos maravilhosos que são vocês.
Sou agradecida pelo trabalho que faço, porque faço o que
gosto e com quem gosto, pelas oportunidades que tive e soube agarrar, a sorte
no caminho, as pessoas com quem me cruzei.
Sou agradecida pelo conforto da vida, pelas viagens que
faço e os prazeres a que me posso permitir. Agradecida por conhecer mundo e
pessoas do mundo, que me abre horizontes, que desperta em mim o acolhimento e a
compaixão, sem me afastar da minha conduta de integridade e princípios.
Na véspera dos meus 40 fui pensando no que vos queria transmitir. Ainda não tinham nascido e ouvi um casal amigo com 8 filhos dizer que todos os dias pedia a Deus para que os filhos fossem “sempre bem-intencionados”. E desde então que penso isso também. Acho que os meus maiores medos na vida são a perda de um de vocês e que vocês não sejam bem formados, bem-intencionados e amigos uns dos outros.
(...) Procurem sempre ser alegres, ver o lado bom da vida, o “copo meio cheio”, sejam optimistas. As atitudes positivas elevam-nos. Sejam pacientes, não guardem rancor nem amargura, que isso destrói a alegria de viver. Sejam gentis, bem-educados, sorriam, tentem o mais possível pôr-se no lugar do outro, treinem a empatia e a compaixão. Isto é um exercício permanente. Lembrem-se sempre que devemos tratar o outro como merece ser tratado e não como nós gostaríamos que nos tratassem.
Treinem a comunicação, digam o que sentem, mesmo que vos possa causar desconforto. Não mintam, lembrem-se que a mentira é, de tudo, o que dói mais (livro da infância). Não se fechem no silêncio e no faz de conta, sejam frontais, não escondam, sejam assertivos, mas com cuidado na forma e na linguagem, sem magoar. Combatam o egoísmo e o egocentrismo.
Como aprendi de São Paulo, “tudo te é permitido, mas nem tudo te convém”. Nem tudo o que nos apetece é o que nos faz bem, aprendam a perceber o que é melhor para vocês a médio e longo prazo. E a vossa avó ensinou-me desde cedo que há um tempo para tudo. E às vezes temos ânsias de fazer tudo antes do tempo, outras não vivemos as coisas no tempo certo.
Nunca se arrependam de fazer o bem (dito que herdei da vossa bisavó Beatriz), mesmo sabendo que a vida não é justa. E tem sempre muitas perguntas e poucas respostas. Aprender a viver é saber aceitar as perguntas, sem “porquês” nem “para quês”, porque são tantas as vezes que não compreendemos.
Nós somos um somatório de genética, educação e meio ambiente. A genética e educação não escolhemos, podemos ter sorte ou não, o meio ambiente podemos ter uma palavra a dizer a partir de certa altura e em determinadas circunstâncias, pelo que, o que depende efetivamente de nós é uma ínfima parte e por ser tão ínfima vem de dentro de um lugar de segurança, de vontades, de princípios, valores e integridade.
“A vida é dura para quem é mole”, sejam resilientes, mas fazendo frente à indiferença. O sofrimento faz parte da vida e não há forma de o evitar ou abafar. Lutem apesar dele, a vida vai mostrando caminhos e oportunidades. Chorem também e não acumulem a raiva que as injustiças da vida vos façam sentir. Peçam ajuda, não sofram sozinhos.
Não absolutizem a vossa felicidade e razão de viver noutras pessoas. É certo que vivemos em família e em comunidade, e os laços são a nossa grande riqueza, mas não podemos dar os outros por garantidos nem absolutizar as pessoas da nossa vida. É talvez o exercício mais difícil, mas é um exercício importante ao longo da nossa vida adulta.
Escolham bons amigos. “Diz-me com quem andas, dir-te-ei que és.” Escolham amigos que fazem de vocês melhores pessoas, que gostem de vocês de uma maneira desinteressada, que vos respeitem, mas também vos confrontem quando acham que estão a desviar-se do caminho do bem. Não procurem no outro apenas a validação, ouçam mais do que falam, aceitem a crítica construtiva e escutem o vosso silêncio. Nem sempre aquilo que precisamos de ouvir é o que queremos ouvir. Cultivem as amizades, mas aprendam também a estar com vocês mesmos.
E, o mais importante, sejam sempre irmãos amigos, com quem possam contar sempre, respeitem-se, combinem coisas, viajem, riam, façam surpresas, mas também chamadas de atenção quando for preciso. Elogiem-se, valorizem e critiquem também. Entreguem-se e deem colo, telefonem, ajudem-se.
Agradeçam
sempre, digam obrigado as vezes que forem necessárias.